A crise de carácter
“Errar é humano. Culpar outra pessoa é política.”Woody Allen
Hoje, numa escolha ao acaso na estante, dei por mim a ler uns artigos do Dr. José Eugénio Dias Ferreira (julgo que avô de Manuela Ferreira Leite…?), publicados no Diário de Lisboa, entre 1937 e 45. Surpreenderam-me por demonstrarem que nós não temos emenda. A coisa está entranhada no sangue e afecta os cérebros. As similitudes de atitude, ontem como hoje, são, por assim dizer, um padrão que define o destino de dois povos – os fortes e os fracos – que coexistem neste pequeno território, apetrechado com tudo para ser próspero, excepto, por enquanto, de petróleo, mas empapado fortemente por um rol de defeitos, em particular a ganância pacóvia, a estupidez, a inveja... e o desprezo pelo próximo, condimentado por uma dose substancial de sevícia.
Os artigos estão reunidos num livro que foi editado em 1945 e só poderá ser encontrado em alfarrabistas. Achei interessante o artigo com o título “A crise de carácter”. Publico aqui um destaque.
A crise económica, a crise política e a crise social são apenas reflexo da crise de carácter, como vergônteas oriundas da mesma raiz.
Se não há boa distribuição de riqueza, é porque a ganância dos fortes abafa a necessidade dos fracos; se não há confiança nos acòrdos, nem segurança nos auxílios, é porque desapareceu o respeito pela palavra comprometida ou fé jurada, se não há lealdade no convívio, nem consideração pelo semelhante, é porque não há dignidade nos intuitos nem seriedade nos processos.
Que importa um feito sublime, se a causa é ruim?
Que importa um fim nobre, se os meios são vis?
Que importa um saber profundo, se é impregnado de malignidade?
Que importa um alto posto num estabelecimento científico ou numa academia, se o brio anda apegado às solas e o cérebro subordinado ao abdómen?
Que importam os louvores ou os vitupérios, as edificações ou as criticas, as falas de mel ou as apóstrofes violentas, se vêm assoprados pela especulação?
Artigo “A crise de carácter”, do Dr. Dias Ferreira, publicado no Diário de Lisboa, em 26 de Janeiro de 1942.
Etiquetas: Diário de Lisboa, Dias Ferreira, Jornalismo
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