Ainda não se habituaram?
Não se pode esperar verdade, quando a verdade não faz parte do quotidiano. Não se pode esperar espontaneidade, quando muita mentira se embrulha com pouca verdade. Não pode se esperar seguidismo simplório, quando a manipulação é de uma clareza chocante. Não se pode esperar inteligência, quando todos os dias nos tratam como palermas. Paciência...Convenhamos, porém, que a dois passos das eleições, a vida da coisa vai ser de “face humana”, ou lá o que isso quer dizer. Por isso façamos a pose de gente atenta ao espectáculo da autenticidade, avisados, desde já, que a crueldade faz parte do ofício de governar, mas que vai abrandar circunstancialmente, para aliviar o ambiente e as cabeças dos cidadãos/eleitores/contribuintes - salazarentos incluídos - uma população de artificiosos crédulos, felizmente fora de qualquer teatro de guerra cruel.
É sempre aconselhável fazer uma leitura, mesmo que em diagonal, dos escritos e das opiniões do Professor Doutor em Direito Excelentíssimo Senhor Vital Martins Moreira. Na circunstância, recomenda-se um texto com o título "O mal-estar nacional", publicado em primeira mão no Público, anotado na íntegra no blog A aba da causa. Trata-se, tão somente, de uma forte critica aos fazedores de manchetes, as quais, ao que parece, malvados, só revelam os aspectos sórdidos, mórbidos, falsos, espectaculares (“É evidente que a vulnerabilidade da opinião pública ao enviesamento informativo e opinativo é tanto maior quanto mais atávica for a propensão para o derrotismo social e quanto menor for o nível de educação e de autonomia crítica na sociedade.”) da nossa vida colectiva que, ao contrário deste e tortuoso caminho das pedras sem sentido perceptível, deveria - para inglês ver - ser o sítio onde termina o arco-íris.
O tratamento noticioso é claramente enviesado para seleccionar e sublinhar os lados mais negativos da actualidade. Em princípio, só as más notícias são notícias, mesmo quando não são verdadeiras. É notícia o aumento da criminalidade, não a sua redução; a subida da inflação, não a sua descida; a elevação do desemprego, não o seu decréscimo; a erupção de um surto infeccioso, nunca a sua debelação; uma maior área de floresta ardida pelo Verão, não uma menor extensão; e assim por diante. Há dias, por exemplo, um jornal "popular" anunciava em manchete que os encargos dos empréstimos para compra de casa iam "voltar a aumentar", mas provavelmente nunca houve nem haverá nenhuma manchete a anunciar a descida de tais encargos, quanto tal ocorre. Há uma propensão atávica da generalidade dos media - incluindo os de serviço público - para uma certa dose de populismo noticioso, sublinhando a grosso os aspectos socialmente mais chocantes da realidade social e omitindo ou depreciando em geral as notícias que poderiam atenuar aquela impressão negativa.
Professor Doutor Vital Martins Moreira, in Público e A aba da causa
Reflexões sobre o PCP. Lisboa, Inquérito, 2.ª ed., 1990.
A aba da causa Blogspot
Etiquetas: Vidas, Vital Moreira
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