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When you lose, don't lose the lesson

terça-feira, abril 10, 2007

A Bela Acordada e bom dia

É tarde. Gosto do tarde. No andar do lado alguém ronca e ouve-se aqui no meu scriptorium - fino, não é? É nestas alturas que me recordo do estado do país dos patos bravos e das “construções” endrominadas e fiscalizadas à maneira do “ensino superior”. Tudo sem brio. Tudo sempre com um esquema. Tudo espertalhaço. Muito vivaço, muito atrevido, muito português. Muito a roncar.
Roncam. Roncam e ouve-se. E vão roncar definitivamente até de madrugada.
Para um acordar tranquilo, a vós maioria que roncais, destino esta nota, ao género do Abrupto, abruptamente tranquilo, que nos dá o chá todos os dias com as indirectas eruditas dos poemas que não lembram o diabo e que lemos por julgarmos coisa séria - mas é apenas gozo. Desta, hoje, aqui e agora, uma prosa escorreita, ligeirinha, da poetisa, cronista e tradutora Adília Lopes (pseudónimo, claro) para quem a poesia é um caso de vida ou de morte. O título é o que já se leu: A Bela Acordada. E tenham paciência. Encare-se a leitura matinal, não como sendo os maravilhosos poemas no Abrupto, mas como se fosse uma sessão de ioga ou um post com a laracha descompressora do 31 da Armada. O texto, um post datado de Junho de 2002, foi sacado na A Ervilha Cor de Rosa, que tem outras notas muito relaxantes. Atente-se bem no final, que é uma delícia: “E casaram-se logo a seguir no tapete de Arraiolos da casa de jantar". Assim sendo, então aqui vai a prosa e façam o favor de acordar (acordar, não é abrir os olhos...), depois de roncarem tudo o que têm para roncar:
Era uma vez uma mulher que tão depressa era feia era bonita, as pessoas diziam-lhe:
- Eu amo-te.
E iam com ela para a cama e para a mesa.
Quando era feia, as mesmas pessoas diziam-lhe:
- Não gosto de ti.
E atiravam-lhe com caroços de azeitona à cabeça.
A mulher pediu a Deus:
- Faz-me bonita ou feia de uma vez por todas e para sempre.
Então Deus fê-la feia.
A mulher chorou muito porque estava sempre a apanhar com caroços de azeitona e a ouvir coisas feias. Só os animais gostavam sempre dela, tanto quando era bonita como quando era feia como agora que era sempre feia. Mas o amor dos animais não lhe chegava. Por isso deitou-se a um poço. No poço, estava um peixe que comeu a mulher de um trago só, sem a mastigar.
Logo a seguir, passou pelo poço o criado do rei, que pescou o peixe.
Na cozinha do palácio, as criadas, a arranjarem o peixe, descobriram a mulher dentro do peixe. Como o peixe comeu a mulher mal a mulher se matou e o criado pescou o peixe mal o peixe comeu a mulher e as criadas abriram o peixe mal o peixe foi pescado pelo criado, a mulher não morreu e o peixe morreu.
As criadas e o rei eram muito bonitos. E a mulher ali era tão feia que não era feia. Por isso, quando as criadas foram chamar o rei e o rei entrou na cozinha e viu a mulher, o rei apaixonou-se pela mulher.
- Será uma sereia ? . perguntaram em coro as criadas ao rei.
- Não, não é uma sereia porque tem duas pernas, muito tortas, uma mais curta do que a outra . respondeu o rei às criadas.
E o rei convidou a mulher para jantar.
Ao jantar, o rei e a mulher comeram o peixe. O rei disse à mulher quando as criadas se foram embora:
- Eu amo-te.
Quando o rei disse isto, sorriu à mulher e atirou-lhe com uma azeitona inteira à cabeça. A mulher apanhou a azeitona e comeu-a. Mas, antes de comer a azeitona, a mulher disse ao rei:
- Eu amo-te.
Depois comeu a azeitona. E casaram-se logo a seguir no tapete de Arraiolos da casa de jantar.
Weblog A Ervilha Cor de Rosa
Adília Lopes na Wikipédia
Blog 31 da Armada
Blog Abrupto

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